Provimento nº 188 do CNJ impossibilita o registro de títulos prenotados após ordem de indisponibilidade, podendo impactar adquirentes de boa-fé.
A indisponibilidade é uma medida de proteção de crédito que implica na restrição dos direitos de propriedade, retirando do proprietário a possibilidade de vender voluntariamente seu imóvel. Embora a existência de uma ordem de indisponibilidade não impeça a lavratura de escrituras públicas, conforme o artigo 1.227 do Código Civil, ela exerce impactos significativos e impeditivos na negociação de imóveis.
Por exemplo, caso o proprietário deseje alienar um imóvel a um terceiro, a presença de uma ordem de indisponibilidade registrada na matrícula do bem impedirá o registro da escritura no cartório de registros de imóveis competente, impossibilitando a alteração da titularidade do imóvel.
Antes da edição do Provimento nº 188 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), se uma ordem de indisponibilidade fosse emitida após a lavratura da escritura pública de compra e venda, a indisponibilidade não afetaria o negócio jurídico, uma vez que a escritura já havia sido formalizada antes da ordem. Nesse contexto, dava-se prevalência ao ato jurídico perfeito, ao princípio da concentração da matrícula e à proteção ao terceiro adquirente de boa-fé.
Com a publicação do Provimento nº 188 do CNJ, em dezembro de 2024, houve uma atualização relevante na regulamentação da indisponibilidade de bens, adaptando-a ao Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP) e à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB). Essa mudança trouxe impactos consideráveis no cenário jurídico.
Uma das inovações mais significativas do Provimento nº 188 do CNJ está no § 3º do artigo 320, inciso I, que alterou o Código Nacional de Normas, estabelecendo que:
“A superveniência de ordem de indisponibilidade impede o registro de títulos, ainda que anteriormente prenotados, salvo se houver previsão em contrário na ordem judicial.”
Ou seja, mesmo que o terceiro adquirente de boa-fé tenha realizado as devidas diligências sobre o imóvel e o vendedor, e que, no momento do protocolo da escritura pública de compra e venda no cartório, não haja qualquer ordem de indisponibilidade contra o vendedor, a presença de uma ordem de indisponibilidade superveniente impossibilitará o registro do título.
Essa medida adotada pelo CNJ ela reflete a crescente tendência de ampliar o uso da indisponibilidade de bens, não apenas em casos graves como falência ou improbidade administrativa, mas também em situações envolvendo outras dívidas, como as trabalhistas. Essa ampliação tem gerado críticas, uma vez que o instituto da indisponibilidade, tradicionalmente restrito a circunstâncias excepcionais, está sendo progressivamente banalizado. Um exemplo disso foi o julgamento do REsp 1.963.178/SP, em que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a indisponibilidade como medida executiva atípica, desde que esgotados os meios tradicionais de execução.
A inovação do Provimento nº 188, que permite a chamada “indisponibilidade superveniente”, compromete não apenas a boa-fé e a diligência do terceiro adquirente, mas também o princípio da concentração da matrícula, conforme o artigo 54 da Lei nº 13.097/2015.
O princípio da concentração da matrícula estabelece que todos os direitos reais sobre um imóvel devem ser formalmente registrados na matrícula do imóvel, centralizando ali toda a informação relevante sobre sua titularidade e eventuais ônus que recaem sobre ele. O objetivo é garantir a transparência e a segurança jurídica nas transações imobiliárias, de modo que qualquer alteração ou restrição sobre o imóvel, como a indisponibilidade, seja registrada de maneira clara e visível para todos os interessados. Ao permitir que uma ordem de indisponibilidade superveniente tenha efeito mesmo após a lavratura da escritura, o Provimento nº 188 pode afetar essa centralização, gerando incerteza sobre a situação jurídica do imóvel no momento da compra e venda, o que vai contra o princípio da concentração da matrícula.
Embora seja desnecessário comentar sobre a impossibilidade de um provimento do CNJ alterar o que está disposto por lei, essa mudança levanta preocupações no mercado imobiliário, criando um ambiente de maior incerteza nas aquisições de imóveis no Brasil.
Por outro lado, o Provimento nº 188 do CNJ também traz inovações positivas, como a possibilidade de o proprietário ou titular de direitos reais sobre imóveis indicar quais bens devem ser atingidos pela ordem de indisponibilidade (art. 320-K). Embora essa ordem de preferência não vincule os órgãos do Judiciário ou as autoridades administrativas, ela fornece uma base indicativa, especialmente em casos de execuções fiscais ou falências.
Embora o Provimento nº 188 do CNJ tenha avançado na padronização da indisponibilidade de bens, sua aplicação prática e constitucionalidade geram debates. A proposta de relativizar os princípios da prioridade registral e da concentração da matrícula, sem respaldo legal, cria um cenário de insegurança jurídica, o que pode resultar em maior judicialização, especialmente em casos envolvendo a boa-fé do terceiro adquirente. Assim, é fundamental que futuras regulamentações busquem equilibrar a eficácia da indisponibilidade com a proteção da estabilidade jurídica e econômica do mercado imobiliário.
Palavras-Chave: CNJ Indisponibilidade de bens; Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP); Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB); Registro de Imóveis; Escrituras públicas; Prioridade registral; Insegurança jurídica; Mercado imobiliário
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Sobre o Autor
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João Dourado
Pós-graduando em Direito Imobiliário pela PUC/MG. Sócio responsável pelo setor de Direito Imobiliário, Condominial e Gestão Patrimonial.
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